- Mariângela Zambon
USUCAPIÃO POR ABANDONO DO LAR
A usucapião é uma das formas de aquisição da propriedade por meio da posse mansa e pacífica, por determinado espaço de tempo, considerando-se os requisitos previstos em lei. Há diversas formas de usucapião, a Lei 12.424 de 16 de junho de 2011 incluiu o artigo 1.240-A ao Código Civil, acrescentando uma nova espécie de usucapião, a Usucapião Familiar ou Usucapião Especial Urbano por Abandono do Lar Conjugal.
A Usucapião Familiar pode ser pleiteada pelo ex-cônjuge ou ex-companheiro sobre o imóvel urbano que dividiam como moradia e tem cabimento quando um dos conviventes abandona o lar de forma voluntária, deixando a família ao total desamparo material e afetivo, sendo exigido para a usucapião o atendimento de determinados requisitos legais.
São requisitos para a Usucapião Familiar:
a) o imóvel deve ser de propriedade de ambos os ex-cônjuges ou ex-companheiros e que dividiam durante a constância da união como moradia;
b) Deve comprovar a existência de posse direta e exclusiva mansa e pacífica do imóvel por dois anos ininterruptos e sem oposição sobre o bem, com exclusividade, utilizando-o como sua moradia ou de sua família. "A posse deverá ser direta quanto ao exercício fático contínuo e justa... A posse justa é aquela isenta de vícios: sem violência, clandestinidade e precariedade."[i];
c) sobre imóvel urbano que não pode ultrapassar a área de 250m2;
d) ao pleitear a usucapião, não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural;
e) a Usucapião Familiar tem cabimento por abandono do lar, de forma voluntária, por um dos cônjuges ou companheiros deixando a família ao total desamparo. "O ex-cônjuge ou ex-companheiro não poderá ter sido expulso do local";[i]
f) somente poderá beneficiar-se dessa lei uma única vez. "Mesmo que o usucapiente venda o bem e contraia novo casamento, não poderá mais pleitear a usucapião familiar."[ii]
Um acordo entre o casal, quanto à separação ou a saída do cônjuge ou companheiro da residência não permite a efetivação da usucapião. Conforme Fábio Araujo: "Em algumas situações o casal poderá ter elaborado uma minuta ou acordo para regular a separação de fato, que antecede o fim da sociedade conjugal. Este acordo poderá ser escrito ou verbal. Isto impede a consumação da usucapião. uma vez que a parte contrária estaria sendo surpreendida. A posse seria precária e imprestável para o pedido de usucapião."[i]
Vejamos o texto do artigo 1.240-A e § 1o do Código Civil, que define os requisitos para a usucapião familiar: [iii]
“Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. “
Nesse sentido, segue decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:[iv]
"DIREITO DE FAMÍLIA. SOBREPARTILHA. PRETENSÃO DO VARÃO À DIVISÃO DE IMÓVEL ADQUIRIDO PELO CASAL NO CURSO DO MATRIMÔNIO. REGISTRO DOMINIAL QUE AINDA CONSTA A TITULARIDADE CONJUNTA DO BEM. DEMANDADA QUE, À GUISA DE DEFESA, ALEGA A OCORRÊNCIA DA USUCAPIÃO. INCONTROVERSO ABANDONO DO LAR, PELO AUTOR, NO LONGÍNQUO ANO DE 1967, DEIXANDO À PROPRIA SORTE A ESPOSA E OS 7 (SETE) FILHOS COMUNS. AFASTAMENTO QUE SE DEU DE FORMA UNILATERAL, VOLUNTÁRIA E COMPLETA. DIVÓRCIO DECRETADO APENAS EM 2000. SENTENÇA INACOLHEDORA DO PLEITO EXORDIAL. USUCAPIÃO ENTRE CÔNJUGES. NÃO APLICAÇÃO DA CAUSA IMPEDITIVA À PRESCRIÇÃO AQUISITIVA (ARTS. 197, INC. I, E 1.244 DO CC/2002, CORRESPONDENTES AOS ARTS. 168, INC. I, E 553 DO CC/1916). ABANDONO DO NÚCLEO FAMILIAR A PARTIR DO QUAL SUCEDEU A SEPARAÇÃO DE FATO DO CASAL. COMPLETA DISSOCIAÇÃO DO VÍNCULO AFETIVO E ESVAZIAMENTO DOS LAÇOS MATRIMONIAIS. INEXISTÊNCIA DE MANCOMUNHÃO. CESSAÇÃO, NAQUELE ENSEJO, DOS EFEITOS PRÓPRIOS AO REGIME DE BENS. POSSE EXERCIDA DE FORMA EXCLUSIVA E EM NOME PRÓPRIO PELA VIRAGO SOBRE O IMÓVEL POR 45 (QUARENTA E CINCO) ANOS ININTERRUPTOS, SEM QUALQUER OPOSIÇÃO DO VARÃO. REGRA OBSTATIVA DA USUCAPIÃO ENTRE OS CÔNJUGES QUE DEVE MERECER INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA, OU SEJA, CONFORME O ESCOPO DA NORMA E NA CONFORMIDADE DA EVOLUÇÃO DOS INSTITUTOS DO DIREITO DE FAMÍLIA. ACOLHIMENTO DA TESE DE USUCAPIÃO COMO DEFESA QUE SE AFIGURA PERFEITAMENTE VIÁVEL. PRECEDENTE DA CORTE. RECURSO IMPROVIDO.
1. A posse exercida exclusivamente pelo cônjuge separado de fato sobre o imóvel que serve de residência à família, pode, excepcionalmente, dar ensejo à usucapião do bem registrado em conjunto, a depender das circunstâncias, quando ficar demonstrado cabalmente que essa posse unilateral é exercida em nome próprio e não por convenção entre as partes [...]. . (Processo: 2013.065549-6 (Acórdão), Relator: Eládio Torret Rocha, Origem: Capivari de Baixo, Orgão Julgador: Quarta Câmara de Direito Civil, Julgado em: 05/06/2014, Classe: Apelação Cível." (Grifo nosso).
A alteração introduzida pela Lei 12.424 de 16 de junho de 2011 busca proteger o cônjuge ou companheiro que permaneceu residindo no imóvel que era comum ao casal e tem como objetivo a valorização da proteção da moradia nos termos da Constituição.[v]
Mariângela Zambon
Advogada – OAB/RS 105123
Zambon Advocacia
http://www.zambon.adv.br
Obs.: Todos os direitos reservados (Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998).
Fonte:
[i] Araújo, Fabio Caldas de, Usucapião.2a. ed. São Paulo:Malheiros Editores,2013. p. 371.
[ii] Araújo, Fabio Caldas de, Usucapião.2a. ed. São Paulo:Malheiros Editores,2013. p. 372.
[iii] Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro.
[iv] Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Disponível em:
<http://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/buscaForm.do>. Consulta em: 11 abr. 2017.
[v] Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”