top of page
  • Mariângela Zambon

NEGATÓRIA DE PATERNIDADE


Embora o reconhecimento de filho seja irrevogável (artigo 1º da Lei nº 8.560/92 e artigo 1.609 do Código Civil) é possível o ajuizamento de Ação Negatória de Paternidade com a anulação do respectivo registro civil, desde que comprovada a existência de erro, dolo ou coação, isto é, que no momento do registro o suposto pai foi induzido em vício de consentimento pois acreditava mesmo ser o pai biológico da criança e o fez por uma falsa concepção da realidade.

A Ação Negatória de Paternidade é imprescritível, o que significa que poderá ser proposta a qualquer tempo por quem deseja provar que não há vínculo biológico entre ele e o filho registrado nos termos da Súmula 149 do Supremo Tribunal Federal, primeira parte: "É imprescritível a ação de investigação de paternidade ...".

O artigo 1.601 do Código Civil embasa o fundamento da prescrição na Ação Negatória de Paternidade quando estabelece que: “Art. 1.601. Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher sendo tal ação imprescritível.”

Esta ação para contestar a paternidade é personalíssima e somente poderá ser proposta pelo suposto pai que realizou o registro, no entanto, ocorrendo o seu falecimento no curso do processo, os seus herdeiros terão legitimidade para dar continuidade à demanda.

A ação deve ser proposta em face do filho, no entanto se este for menor será representado pela sua genitora, deve ainda a ação ser instruída com provas, em especial por meio do exame de DNA que comprove não haver qualquer vínculo biológico entre o pai que realizou o registro e o filho registrado, demonstrando ainda que por ocasião do registro acreditava que a criança era seu filho biológico.

Uma vez comprovado por meio do exame de DNA e ainda que houve um vício de consentimento, o registro será anulado e o nome do pai bem como dos avós paternos serão excluídos da certidão de nascimento da criança.

Veja-se a jurisprudência dos Tribunais a respeito da desconstituição da paternidade em que o pai registral tenha incorrido em erro por vício de consentimento:

Ementa: AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. PROVA PERICIAL. EXCLUSÃO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA. INEXISTÊNCIA DO LIAME SOCIOAFETIVO. CABIMENTO. 1. Embora o reconhecimento de filho seja irrevogável (art. 1.609 do CC) é possível promover a anulação do registro civil, quando demonstrada a existência de vício no ato jurídico de reconhecimento. 2. Comprovada a inexistência do liame biológico através de exame de DNA e tendo o autor comprovado que, quando formalizou o reconhecimento da filiação não tinha ciência da inexistência do liame biológico, pois era casado com a genitora, justifica-se o pleito anulatório, ficando claro que o autor foi induzido em erro ao reconhecer a filiação. Incidência do art. 333, inc. I e II, do CPC. Recurso provido. (Apelação Cível Nº 70074703299, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 27/09/2017). (Grifo nosso).

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. OCORRÊNCIA DA PRESUNÇÃO LEGAL (PATER IS EST). ERRO SUBSTANCIAL. COMPROVAÇÃO. No caso, provado que o reconhecimento da paternidade não foi livre e consciente, por haver incorrido em erro o autor (em face da presunção pater is est), deve ser mantida hígida a sentença acoimada, que julgou procedente o pedido inicial, desconstituindo a paternidade registral. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70073965519, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 28/09/2017). (Grifo nosso).

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. AUSÊNCIA DE VÍNCULO BIOLÓGICO. INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO SÓCIO-AFETIVO A JUSTIFICAR A MANUTENÇÃO DO REGISTRO EQUIVOCADO. Demonstrado o vício de consentimento, flagrante a procedência da demanda. Ademais, uma vez comprovado nos autos, mediante perícia genética, que as partes não possuem vínculo biológico, bem como demonstrada a ausência de vínculo socioafetivo, cumpre confirmar a sentença de procedência da ação negatória de paternidade, com vistas a garantir ao recorrente a possibilidade de buscar sua verdadeira origem. Enfim, a verdade biológica deve prevalecer sobre a verdade registral, com base, inclusive, no principio da dignidade da pessoa humana. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. (Apelação Cível Nº 70041627324, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 27/10/2011). (Grifo nosso).

Ementa: DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA. - Tem-se como perfeitamente demonstrado o vício de consentimento a que foi levado a incorrer o suposto pai, quando induzido a erro ao proceder ao registro da criança, acreditando se tratar de filho biológico. - A realização do exame pelo método DNA a comprovar cientificamente a inexistência do vínculo genético, confere ao marido a possibilidade de obter, por meio de ação negatória de paternidade, a anulação do registro ocorrido com vício de consentimento. - A regra expressa no art. 1.601 do CC/02, estabelece a imprescritibilidade da ação do marido de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, para afastar a presunção da paternidade. - Não pode prevalecer a verdade fictícia quando maculada pela verdade real e incontestável, calcada em prova de robusta certeza, como o é o exame genético pelo método DNA. - E mesmo considerando a prevalência dos interesses da criança que deve nortear a condução do processo em que se discute de um lado o direito do pai de negar a paternidade em razão do estabelecimento da verdade biológica e, de outro, o direito da criança de ter preservado seu estado de filiação, verifica-se que não há prejuízo para esta, porquanto à menor socorre o direito de perseguir a verdade real em ação investigatória de paternidade, para valer-se, aí sim, do direito indisponível de reconhecimento do estado de filiação e das consequências, inclusive materiais, daí advindas. Recurso especial conhecido e provido. (STJ – 3ª T., REsp nº 878.954/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 28.05.2007, p. 339). (Grifo nosso).

Responsabilidade na Prestação dos Alimentos:

Mesmo que em andamento a Ação Negatória de Paternidade, continuam os deveres do pai registral que tem a obrigação de prestar os alimentos, no caso de pedido de pensão alimentícia, dessa forma, somente após a averbação junto ao Cartório de Registro Civil, caso seja aceita a exclusão do seu nome da certidão de nascimento da criança, o pai registral poderá solicitar em juízo a exoneração da prestação dos alimentos.

Veja-se a jurisprudência sobre o tema:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMENTOS PROVISÓRIOS. FIXAÇÃO. ADEQUAÇÃO. A circunstância do réu/agravante ter ajuizado ação negatória de paternidade, não afasta, por si só, o dever alimentar decorrente da relação de filiação regularmente e registralmente constituída. Ademais, o caso retrata situação de relação de paternidade existente há quase 18 anos, de relação pai e filha por todo esse tempo, e inclusive de pagamento de alimentos de forma espontânea por vários anos, tendo tal pagamento sido interrompido apenas em função do ajuizamento da ação negatória de paternidade. Na hipótese, somente a eventual circunstância da ação negatória de paternidade ser ao final julgada integralmente procedente é que poderá servir para justificar, no futuro (e acaso aquela demanda seja mesmo julgada procedente), um eventual pedido de não pagamento de alimentos. NEGARAM PROVIMENTO. (Agravo de Instrumento Nº 70074838921, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 19/10/2017). (Grifo nosso).

Reconhecimento voluntário da paternidade:

De outro modo, o entendimento dos Tribunais é pela improcedência do pedido de ação anulatória de reconhecimento de paternidade, quando alguém registra o filho como seu, mesmo tendo pleno conhecimento e plena consciência, no momento do registro, de que a criança não era seu filho biológico e mais tarde se arrepende pretendendo em juízo negar a paternidade. Em situações como essa há uma tendência nas decisões dos Tribunais em não aceitar a retratação de paternidade já que o ato de registro foi espontâneo e sem vício de consentimento. (artigo 1.604 do Código Civil).

Segue jurisprudência dos Tribunais a respeito do tema:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DENOMINADA COMO “NEGATÓRIA DE PATERNIDADE". AUSÊNCIA DAS HIPÓTESES DO ART. 1.604 DO CCB. INCIDÊNCIA DOS ARTIGOS 1.609, 1.610 E 1.614 DO CCB. Não se enquadrando a hipótese no art. 1.604 do CCB, não havendo alegação de vício no consentimento e tendo em vista que o reconhecimento do filho é ato irrevogável, não se prestando o simples arrependimento quanto ao ato espontaneamente praticado para infirmá-lo, revela-se irretocável a sentença de improcedência do pedido de impugnação da paternidade e respectiva alteração de registro civil. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70074147661, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 28/09/2017) (Grifo nosso).

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. REGISTRO VOLUNTÁRIO. DÚVIDA POSTERIOR. EXTINÇÃO DO FEITO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. MANUTENÇÃO. O registro da paternidade por ocasião do nascimento é ato voluntário e irretratável, cuja invalidação exige a verificação dos chamados vícios do consentimento, erro, dolo, coação, simulação ou fraude. Caso concreto em que a atribuição da paternidade da infante decorreu de reconhecimento voluntário, por parte do demandante, mesmo após o término do relacionamento com a genitora da criança. Hipótese que descortina mera dúvida, desconfiança e curiosidade por parte do pai registral acerca da paternidade biológica, sentimentos que não dão azo ao ajuizamento da ação negatória. Precedentes deste Tribunal e do Superior Tribunal de Justiça. Sentença confirmada. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70074200320, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Julgado em 27/09/2017)

Conclusão:

O registro de uma criança deve ser levado muito à sério uma vez que dele decorrem diversos direitos e obrigações civis, pessoais, sociais e patrimoniais entre pai e filho (o direito ao sobrenome, pensão alimentícia, herança, assistência mútua, etc.).

Constatado o vício de consentimento por erro, dolo, coação, simulação ou fraude, descobrindo posteriormente o pai registral que não possui qualquer vínculo biológico com o filho registrado, devidamente comprovado por meio do exame de DNA, existe a possibilidade da anulação do registro de nascimento com a respectiva exclusão do nome do pai registral e dos avós paternos por meio da Ação Negatória de Paternidade.

Não cabe o simples arrependimento para a anulação do registro uma vez que a Ação Negatória de Paternidade deve ser instruída com elementos que possibilitem demonstrar que o autor tenha incorrido em erro por vício de consentimento e que tenha havido uma falsa percepção da realidade quando registrou a criança.

Mariângela Zambon

Advogada

Zambon Advocacia

http://www.zambon.adv.br

Referências:

Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro

Lei 8.560 de 29 de dezembro de 1992. Regula a Investigação de Paternidade.

Lei 6.015 de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os Registros Públicos

Obs.: Todos os direitos reservados (Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998).


bottom of page